Existe uma bolha no mercado de tecnologia do Brasil?
O mercado financeiro chama de “bolha” uma subida aparentemente exagerada dos preços de determinados ativos, que pode, ou não, incorrer em um futuro estouro dessa bolha, ou seja, uma queda nos preços de tais ativos tão ou mais rápida quanto foi a subida. Uma das bolhas mais recentes e, talvez, mais famosa, foi a do mercado imobiliário americano, que estourou em 2009, após anos de crédito imobiliário abundante e consequente demanda elevada por imóveis, o que causou a elevação exagerada dos ativos desse mercado. O mercado de tecnologia também já experimentou sua bolha, por volta dos anos 2000, a chamada bolha da Internet ou bolha ponto com, que estourou após os primeiros anos de êxtase com a popularização da internet e consequente excesso de investimento privado nas primeiras empresas do, até então incipiente, “mercado digital”.
Estamos vivendo em 2021 o momento mais quente da recente história de investimentos privados em empresas de tecnologia no Brasil. Até o início de 2020 apenas 4 empresas consideradas techs estavam listadas na B3, sendo algumas delas de Hardware, como Positivo e Bematech. De lá pra cá este número saltou para pelo menos 15, e incluiu empresas relativamente pequenas e que há pouco tempo eram improváveis candidatas ao mercado de capitais, como o marketplace de profissionais autônomos Getninjas e a plataforma de compra e venda de produtos usados Enjoei. Entre elas se destacaram com expressivas valorizações a empresa de hospedagem de sites Locaweb, com quase 400% de valorização desde seu IPO, e a (até então) empresa de cashback Méliuz, que valorizou mais de 550%. Após tanta liquidez gerada pelos novos investidores, vieram as novas aquisições (estima-se que o setor de tecnologia tenha tido quase 400 fusões e aquisições no primeiro semestre de 2021), causando ainda mais burburinho e temor no mercado de que estejamos vivendo uma bolha com uma supervalorização do mercado digital.
É bom lembrar que uma bolha não é criada apenas por fatores ligados ao seu mercado específico, mas que também tem influência de fatores macroeconômicos, como baixa taxa de juros e excesso de liquidez do mercado. Mas, feita essa observação, acredito que muito mais que uma excessiva valorização das empresas tech, o que estamos vivendo é a correção de uma oportunidade gerada por uma mudança que estava sendo deixada de lado pelo mercado brasileiro. Basta lembrar que 5 das empresas com maior valor de mercado dos EUA são de tecnologia: Apple, Amazon, Microsoft, Google e Facebook, enquanto no Brasil este ranking ainda é dominado pelos mercados de mineração, extrativista e grandes bancos.
Desde o começo deste século a tecnologia ganhou um espaço absurdo em nossas rotinas, é comum hoje que o principal objeto de desejo de uma pessoa seja um celular ou qualquer outro gadget recém-lançado, e que boa parte da população mundial passa mais tempo conectada ao celular e utilizando dos inúmeros apps (empresas) que lá estão do que fazendo qualquer outra coisa no dia. Mesmo assim, eram raras as situações onde empresas de tecnologia brasileiras eram citadas como boas oportunidades de investimento.
A Pandemia do Coronavírus fortaleceu ainda mais essa nossa super-dependência dos negócios tech. De um dia para o outro a tecnologia deixou de ser uma possibilidade para fazer uma reunião ou se comunicar com outra pessoa e passou a ser a única opção. Todas essas mudanças geraram um óbvio salto de crescimento para as techs, melhorando muitas vezes não apenas seus indicadores de growth, mas também os indicadores financeiros.
Junte a tudo isso o fato de que provavelmente estamos nos 10 minutos iniciais do jogo da tecnologia no Brasil, logo temos um mercado extremamente pulverizado, com muitas empresas ainda no começo de suas trajetórias (prontas para receber investimentos semente), e outras loucas para acelerar processos de consolidação de seus mercados, e temos um cenário ideal para muitas movimentações de IPO’s, fusões, aquisições e tudo mais que possa envolver novos investimentos.
Colocado estes fatores e, acompanhando-se atentamente as questões macroeconômicas, além de uma certa “super-vontade” de se entrar neste mercado gerado pelo FOMO (fear of missing out ou medo de ficar de fora), acredito que neste momento estamos apenas vendo o mercado financeiro finalmente acompanhar as mudanças que nossa sociedade e que o ecossistema empreendedor brasileiro passou nos últimos anos rumo à digitalização.